EX-MADAME 01



CAPÍTULO 01

A pobreza de Kátia

Kátia era uma socialite brasileira, de quarenta e poucos anos, riquíssima, esposa do magnata francês Nicollas Lamartine, de setenta anos. Casados há cinco anos, o casal morava na França, na Mansão Lamartine. Kátia tinha tudo o que queria: joias, empregados, carros, viagens, dinheiro. Ela era uma patroa muito exigente e muito arrogante. Se importava apenas consigo mesma, e não gostava de falar sobre seu passado. Tinha uma grande amiga, Louise, esposa de um conde. Num sábado pela manhã, Louise foi visitar a amiga:
-Louise, querida, que surpresa boa você aqui! - Disse Kátia.
-Estava rezando para que chegasse logo o final de semana, para eu vir visita-la e colocar os assuntos em dia, querida. – Disse Louise.
-Vou pedir a criada pra fazer um chá pra gente.
Kátia então balançou um sino, e Lis apareceu:
- O que deseja senhora? - Perguntou Lis.
-Criada, faça um chá verde pra mim e para Louise.
-É pra já senhora!
-Espero que esse “é pra já” não demore mais do que dez minutos!
-Não senhora, vai ser rapidinho!
-Espero que seja rápido mesmo, senão farei você limpar as janelas.
-As janelas? – Perguntou e empregada, sem entender.
-Sim, farei você limpar as janelas, mas com a língua!
Lis foi às pressas preparar a bebida. Louise comentou com a amiga:
-Essas empregadas de hoje são umas folgadas. Na minha mansão, a Marli é uma preguiçosa. Se eu não a ameaçasse de morte todos os dias, ela faria apenas o que lhe desse na cabeça.
-Entendo. Mas me fale, como está o conde?
-Porco como sempre. Se não fosse a boa vida que ele me dá, já teria lhe dado um par de chifres e um pé na bunda.
-Cruzes! Eu gosto do Nicollas, ele me faz muito feliz. E quando fico chateada, ele sabe como ser perdoado: me dando joias.
Quinze minutos depois.
Lis levou o chá para as madames e recebeu uma bronca:
-Cinco minutos atrasada. Descontarei no seu salário, sua infame! – Disse Katia, brava.
-Mas senhora...
-Cale-se. Você está proibida de falar. Agora volte aos seus afazeres, inútil.
As madames então tomaram o chá enquanto conversavam. Lis entrou na cozinha chorando. Darci, a cozinheira, perguntou:
-Por que está chorando, menina?
-A dona Kátia brigou comigo porque demorei a levar o que ela havia pedido.
-Não fique assim, não chora. Melhor levar uma bronca do que ser demitida e voltar a morar no lixão.
-Mas eu nunca morei no lixão.
-Mas vai morar se for demitida.
Nicollas estava jogando tênis com seu motorista, quando sentiu falta de ar:
-Senhor, está passando mal? - Perguntou o motorista.
-Um pouco de falta de ar, nada demais. Marlon, hoje às quinze horas, vá ao meu escritório. Preciso falar um assunto sério com você.
-Sim senhor.
Kátia levou Louise até a estufa. Lá haviam diversos tipos de plantas. A socialite viu que suas rosas vermelhas haviam desabrochado e quando foi pegar uma, espetou o dedo e disse:
-Vagabunda!
Ela então derrubou o vaso com as rosas e as pisoteou. Louise aplaudiu a reação da amiga.
Às quinze horas, Marlon, conforme prometido, foi ao escritório do patrão
O magnata disse:
-Marlon, você sempre foi meu braço direito. Preciso de um grande favor seu.
-Diga-me senhor!
O homem entregou um envelope lacrado ao motorista e disse:
-Guarde esse envelope e cuide dele como se fosse sua pobre vida. Se alguma coisa acontecer comigo, entregue-o ao meu advogado.
O motorista assentiu. Nicollas ficou pensativo, e o motorista, receoso. À noite, após a amiga ir embora, Kátia ordenou à empregada:
-Criada, quero que amanhã lave o sofá, para tirar a inhaca de piranha que a Louise deixou. Lave também a cadeira que ela sentou, jogue fora os talheres e o prato que ela usou. Queime a toalha que ela se enxugou e faça uma macumba para que ela nunca mais volte aqui.
-Nossa madame, achei que ela era sua amiga!
-Mas ela é, amiga-da-onça. Ela é mais falsa que político em época de eleições.
-Nossa, ela não parece isso senhora.
-Você que não parece ser gente. Saia daqui e faça o que lhe mandei, estrupício.
Kátia então foi tomar banho, e quando saiu, vestiu-se e “pulou” na cama. Quando o marido entrou no quarto, deitou ao lado da mulher e sussurrou:
-Acorda amorzinho!
Ela, fingindo que estava dormindo, disse:
-O que foi, está maluco?
-Quero estacionar a meu "crossover captur" na sua "garagem"!
-Meu querido, seu “carrinho” está mais para "brasília amarela".
O homem chateou-se e dormiu. No dia seguinte, Kátia acordou cedo e o motorista a levou ao cabeleireiro.
Ao chegar ao salão, ela disse:
-Oliver querido!
-Mademoiselle, que honra recebê-la aqui! – Disse o cabeleireiro.
-Oliver, nunca perdeu essa mania de me chamar de "mademoiselle. Sou casada, se meu marido ouve. Bom, faça aquilo que você sabe fazer de melhor.
-Hum, não posso, eu gosto de outra fruta!
Ela virou os olhos e disse:
-Ajeita meu cabelo, idiota!
-Ah entendi!
-Não se preocupe, tenho paciência com bicha burra, mas caso eu perca, vendo este salão de beleza, afinal, fui eu quem lhe dei este prédio e também tudo o que tem nele!
-Claro mademoiselle, você tem alma generosa.
Kátia tinha o cabelo negro, liso e sempre bonito. Usava-o solto e quase todos os dias ia ao salão de Oliver, para ajeitá-lo e mantê-lo sempre lindo.
Nicollas estava tomando o café da manhã, quando desmaiou. Lis e Marlon socorreram o patrão e o levaram para o quarto. Lis pegou um pouco de algodão, molhou com álcool e colocou sobre o nariz do homem, para que ele cheirasse. Ele então abriu os olhos e pediu para ficar sozinho. Os empregados saíram do quarto e Lis preocupada, comentou:
-Marlon, estou com medo. O patrão já está velho, caindo aos pedaços. E se ele morrer, o que será de nós? Aquela bruxa vai nos matar. Se ainda estamos aqui, é porque o senhor Nicollas nos mantém, já que trabalhamos para ele há muito tempo.
-Lis, de uma coisa eu sei, o patrão não está nada bem de saúde.
Mais tarde, Kátia chegou em casa toda produzida. Foi informada de que o marido havia passado mal, mas não se importou e foi para a banheira de hidromassagem.
Após o banho relaxante, Kátia foi jantar. Ela balançou o sino e Darci e Lis puseram o jantar na mesa. A patroa reclamou:
-O que é isso?
- Canard à l’orange, senhora! - Respondeu Darci.
-Como ousa a servir pato numa hora dessas, sua gansa reumática!
Darci baixou a cabeça e a mulher continuou:
-O que você quer, que eu fique gorda, igual uma baleia cachalote? Prepare sopa de cebolas. Além de ser mais saudável para o horário, meu marido quando for me beijar, sentirá o cheiro forte da cebola e desistirá de fazer qualquer coisa que ele estiver intencionado a fazer.
A cozinheira então teve que fazer o que a madame ordenou. Antes de dormir, Nicollas viu a esposa deitada. Ele então foi beijá-la e quase desmaiou com o hálito de cebola da mulher. Ele então desistiu e dormiu.
No dia seguinte, Kátia viu um e-mail de alguém do Brasil e ficou apreensiva. Ela não se deu ao trabalho de ler e excluiu o trigésimo quarto e-mail enviado de alguém do Brasil. Ela chamou a empregada:
-Criada, prepare minha banheira com água de coco. Estou estressada e preciso de um bom banho. Logo em seguida vou às compras. Preciso comprar vestidos novos. - Disse ela olhando para seu enorme closet.
-Mas a senhora tem tantos vestidos. – Disse Lis.
-Cale-se. Desde quando quatrocentos e vinte vestidos são o suficiente para uma dama como eu?
Kátia usava apenas vestidos. Ela tinha os mais variados modelos, cores e estampas, porém, nunca era o suficiente.
Nicollas foi visitar a filha, Sophie:
-Pai, que bom que veio, estava com saudades! – Disse Sophie.
-Eu também filha querida. A velha coroca está?
-Pai, não fale assim da mamãe. Ela está preparando "Éclair", sua sobremesa favorita.
-Ainda bem que ela ainda sabe fazer comidas saborosas. Porque na cama sempre foi uma negação.
-Pai, não vamos voltar ao passado.
-Você está certa. Pra que lembrar que fui corno.
-Minha mãe quem foi corna, coitada.
-Filha, talvez eu não veja sua formatura daqui há seis meses.
-Mas por que diz isso, pensa em se matar ou ficará cego?
-Não. Estou muito doente. Tenho três tumores no cérebro, e o médico me deu alguns meses de vida.
-Eu não sabia, por que nunca me disse isso? – Perguntou Sophie, com os olhos lacrimejando.
-Porque você não é de confiança. Quando tinha sete anos, roubava doces das coleguinhas e com a ponta do lápis, as ameaçava, dizendo que se elas contassem à tia Margareth, furaria seus olhos!
A moça abraçou o pai, emocionada. Kátia comprou dez vestidos, seis pares de sapatos e um par de brincos de rubi.
No caminho para casa, no carro, Marlon levava a patroa, e vez ou outra a encarava pelo retrovisor. Ao perceber, ela fez um olhar sensual e o mandou seguir até o motel mais próximo. Marlon era um homem viril, malhado, atraente. Ele parou em frente ao motel e perguntou:
-É aqui mesmo senhora?
-Exatamente. Tem camisinha?
-Sim senhora, várias.
-Me dê todas!
-Nossa, iremos usar todas, madame?
-Imagina se vou trair meu marido com um motoristazinho como você. Só falei isso para testar seu nível de burrice.
Eles então foram embora. Lis comentou com Darci:
-Estou preocupada com o patrão. Há dias ele passa mal, desmaia, e a bruxa não está nem aí pra ele.
-Estou preocupada é com o meu emprego. Se ele morrer, as coisas vão se complicar.
Kátia entrou na casa cantarolando, e Marlon levando todas as suas sacolas. Ao entrar no quarto, ela viu o marido deitado. O motorista deixou as sacolas no chão e saiu. Kátia conversou com o marido:
-Querido, hoje comprei alguns vestidinhos e sapatos novos pra mim. Ah, comprei um par de brincos de rubi, são lindos. Sei que seu cartão de crédito não tem limite e que esses mimos não são nada pra você. Adoraria também comprar um apartamento na Alemanha, lembra que você me prometeu?
O homem não respondeu, nem sequer se mexeu. Kátia estranhou e foi até ele e o chamou. Ele não acordou e ela gritou por socorro. Os empregados da casa subiram até o quarto. Marlon verificou a pulsação do patrão e disse:
-Ele está morto!
Kátia entrou em desespero:
-Não! Não! Não pode ser! Por que você fez isso comigo Nicollas? – Perguntou a mulher sacudindo o defunto.
Os empregados observaram o martírio da patroa, e nenhum a consolou. Kátia continuou:
-Eu o havia proibido de morrer seu estúpido. Dizia que me amava, mas bastou eu me distrair que você decidiu ir para o inferno.
Ela então começou a chorar, agarrada ao homem, depois limpou as lágrimas e disse:
-Criados, chamem o serviço funerário, pois acho que ele já está inchando!
Mais tarde, Oliver, o cabeleireiro, foi junto com a manicure e maquiador, até a mansão, para deixar Kátia preparada esteticamente para o velório.
À noite, a mansão ficou cheia. Kátia amarrou o cabelo, colocou um vestido de cor azul escuro e foi para o salão onde ocorreu o velório. Louise o ver a amiga, disse algumas palavrinhas de conforto à amiga:
-Querida, pense na herança!
Darci e Lis serviram guloseimas às pessoas que estavam no velório. A filha do falecido deu um grito ao ver o caixão e disse:
-Papai, acorda!
Kátia sussurrou no ouvido da enteada:
-Querida não seja boba, ele não está dormindo. Ele bateu as botas!
-Era o que você queria não era?
-Eu? Imagina. Eu daria minha vida pela dele. Nicollas e eu fomos muito felizes. Lembro-me bem do dia em que fui leiloada, já estávamos casados, ele me comprou por 80 mil dólares. Achei barato, mas foi o lance maior.
-Que horror! - Disse Louise.
-Lembro-me também do dia em que eu pedi o divórcio durante uma de nossas brigas. Ele tentou se matar pulando do prédio, mas não teve coragem. Por causa do susto, o espanquei com um pedaço de bambu.
Sophie saiu de perto da madrasta e ficou ao lado do caixão. Cora, mãe de Sophie, estava segurando uma taça de vinho e propositalmente, derramou a bebida em Kátia:
-Sua louca! Me sujou de vinho, agora vou ter que ir trocar o vestido. - Disse Kátia.
-Oh, me perdoe! Confundi você com um saco de lixo! – Disse Cora.
Kátia se enfureceu e foi ao seu quarto. Ela escolheu um vestido preto, colocou um casaco de pele escuro, desceu e ficou ao lado do caixão, junto com a enteada.
No dia seguinte, o enterro aconteceu às nove horas da manhã. A madame chegou do cemitério e foi para a suíte. Recebeu o comunicado de que o advogado, junto com o tabelião, marcou para ler o testamento às quatro horas da tarde. Marlon lembrou que estava com um envelope deixado pelo patrão, e decidiu mostrá-lo após a leitura do testamento. Kátia estava ávida para saber o que iria herdar. Ela chamou a empregada:
-Ei criada, em breve haverá muitas mudanças aqui nesta casa. Após a partilha hoje à tarde, novas ordens serão dadas e você, assim como os outros, deverão dançar conforme o meu ritmo.
-Sim senhora.
-Se bem que acho que vou colocá-la no olho da rua, só pelo fato de você ser feia!
Lis saiu aos prantos e foi consolada por Darci.
Às quatro da tarde, Sophie, Cora, Kátia e os empregados estavam presentes no momento da leitura do testamento. O tabelião então o leu:
 “Eu, Nicollas, me encontrando no meu perfeito juízo, (...). Deixo todos os meus imóveis, carros, a mansão onde moro, as senhas de contas bancárias no exterior, mobília, jatinho, lancha e minha cadelinha para minha querida esposa Kátia.”
A socialite pulou de alegria, pensando: “Esse testamento falso foi a melhor coisa que eu inventei. Eu não podia correr o risco de ficar apenas com 50% dos bens”.
Sophie estranhou e Marlon entrou em ação:
-Eu tenho um envelope deixado pelo patrão.
O advogado abriu o envelope e leu o documento, que era um testamento feito à mão e registrado em cartório:
“Eu, Nicollas, me encontrando no meu perfeito juízo, (...). Deixo meu carro para Marlon, meu motorista; A mansão onde moro e sua mobília ficará para Lis, a empregada; 100 mil euros para a cozinheira, Darci, e todo o resto dos bens, equivalentes a 1 bilhão de euros, para minha filha, Sophie. Ah, ia esquecendo, deixo a mansão que tenho em São Paulo, no Brasil, com toda mobília, para minha esposa Kátia Lamartine. Ela não merece, mas tenho pena desta pobre coitada.”
Kátia ficou enfurecida e não acreditou no que tinha no papel. O advogado pegou o testamento falso, o amassou e jogou na cara da madame. Os empregados comemoraram a herança que receberam. Lis, foi até Kátia e disse:
-Madame, não achei justo o que o senhor Nicollas fez!
-Também não minha querida, eu não merecia sofrer essa falta de consideração.
-Eu acho que ele deveria não ter deixado nada pra você!
-Insolente, como ousa...
-Calada! Recolha sua insignificância e saia desta casa, porque ela agora é minha. Parece que o seu ritmo terá que ser tocado em outra freguesia.- Disse Lis, sorrindo.
-Você está se achando querida, mas não passa de um saco de estrume. Pobre é tão imprevisível, não pode ganhar uma migalha que começa a se achar!
Lis se irritou e disse:
-FORA DAQUI!
Kátia arrumou roupas, calçados e joias. Tentou roubar vasos também, mas foi impedida pelo motorista. Ela foi para o aeroporto de táxi, e suas bagagens foram levadas por um caminhão.
Kátia não tinha outra escolha, teve que voltar para o Brasil. No aeroporto, Oliver a chamou e disse:
-Mademoiselle, leve-me com você!
Surpresa, ela perguntou:
-Oliver, vai abandonar o salão de beleza para ir comigo?
-Claro. Fui despejado pela sua enteada, afinal, ela se tornou a proprietária do estabelecimento. Pior do que morrer de fome do Brasil, é morrer de fome no exterior.
-Entendi, e já que você é um falso francês...
-Mademoiselle, você perdeu tudo?
-Não. O glamour continua!
12 horas depois.
Kátia desembarcou em Guarulhos, e foi para a capital de São Paulo. Oliver paquerou os rapazes que via pela frente:
-Bicha louca, se comporta ou te espanco aqui mesmo em praça pública!
-Desculpa mademoiselle. Já havia esquecido o quanto os brasileiros são deliciosos!
Ao chegarem à mansão, Kátia e Oliver ficaram deslumbrados: a mansão era linda. Eles entraram e viram que ela estava muito suja e empoeirada. A mobília estava coberta com panos longos, mas o chão estava uma negação:
-Estou com pouco dinheiro. Terei que pagar umas dez faxineiras pra limpar toda essa casa. – Disse Kátia.
-E enquanto isso, onde ficaremos? - Perguntou o rapaz.
-Venderei uma de minhas joias para pagar um hotel pra mim!
- E eu?
-Vai ficar aqui auxiliando as faxineiras, ora bolas!
Ela então pegou um táxi e foi para um hotel. Cinco diaristas foram contratadas para dar a limpeza na mansão. Rosenilda, uma delas, disse:
-Pra limpar essa casa só com escavadeira!
-Ora, nada que você não possa limpar! - Disse Kátia.
-Poder eu posso, mas aqui tem tanto lixo que estou me sentindo no lixão da novela Avenida Brasil! 
Três dias depois, as diaristas terminaram o trabalho e foram embora. Kátia ficou deslumbrada com tamanha beleza da mansão. Era muito grande, com muitos cômodos e a mobília de ótima qualidade:
-Mademoiselle, teremos que vender algumas coisas! – Sugeriu Oliver.
-Negativo. Não vou perder minha pose de madame. Fui chamada para um jantar amanhã à noite, pela Elite Paulistana, e eu não poderei dizer que estou falida, e que só me restaram de bens a mansão e sua mobília.
-Mas vai conseguir manter esse padrão de vida?
-Óbvio, imagina, Kátia Lamartine vista como pobre? Nunca!
Mais tarde, foi pedido duas quentinhas:
- Não acredito que terei de comer churrasco, arroz e feijão! – Lamentou a mulher.
-Mademoiselle, imagino que seja difícil pra você!
-É muito difícil mesmo. Saudades da comida francesa, dos luxos, e principalmente, dos meus empregados.
No dia seguinte, quando estava acordando, Kátia procurou o sino para chamar a empregada, mas não o encontrou e se perguntou:
-Onde está a bosta do sino pra eu chamar a criada?
Ela então abriu os olhos e lembrou que estava no Brasil e que não tinha mais empregados:
-Que droga, esqueci que estou pobre!
À noite, Kátia foi ao jantar e reencontrou socialites paulistanas:
-Kátia, nossa grande amiga da França. Meus pêsames por seu marido! – disse Vitória.
-Obrigada queridas. Meu falecido marido foi muito generoso ao deixar boa parte dos seus bens para mim. Hoje tenho uma vida financeira estável, despreocupada, tenho tudo o que quero e arroto grandeza!
Neste momento, entrou uma mulher de aproximadamente sessenta anos, maquiada, corpinho de jovem, loira e com uma garrafa de whisky na mão, dizendo:
-Sobrinha querida, dê-me um abraço!
Kátia abriu o leque, se abanou e disse:
-É o meu fim!
Carmem era tia de Kátia, irmã de sua mãe. Ela era alcoólatra, mas consciente quando estava bêbada. Andava com roupas vulgares e adorava sair com rapazotes. Ela viu a sobrinha e foi ao seu encontro:
-Kátia, há anos enviei e-mails pra você, sua cadela, e você nunca os respondeu!
-Desculpa titia, eu não uso mais aquele e-mail.
-Mentirosa, você usa sim. Pensa que esqueci do calote que me deu há anos atrás. Sua mãe, aquele biscate, me convenceu a fazer um empréstimo pra você ir para Paris, e você nunca voltou e nem me pagou.
-Titia, não é o momento de falar sobre isso. Achei que você ainda morava no Ceará.
-Preferi vir para São Paulo, afinal, morar perto da sua mãe é uma penitência.
-Certo. Ao sairmos daqui, iremos à minha mansão.
O jantar foi servido:
-Escargot, que delícia! - Disse Kátia.
-Isso são caramujos? – Perguntou Carmem, enojada.
-Moluscos titia. Provavelmente seu paladar de pobre não aprove essa delícia.
-Que nojo!
Após o jantar, Kátia e a tia foram à mansão. A ex-madame explicou à tia que estava pobre, mas que a pagaria com algum objeto da casa. A tia sorriu e falou:
-Então você está mais pobre do que era antes de fugir para a França? E seus direitos de esposa?
-O mau-caráter do Nicollas fez tudo em separação de bens, sem me dizer nada.
-Mas que cafajeste, deve estar mergulhando nas larvas do inferno.
Kátia pediu para que Oliver servisse um café:
-Mademoiselle, não temos açúcar!
-Se vira com a rapadura que comprei hoje de manhã.
Carmem decidiu:
-Querida sobrinha, você não poderá dar conta de uma mansão como esta sozinha. Vou lhe fazer o favor de vir morar com você!
Kátia arregalou os olhos e disse:
- O quê? Morar comigo? Nem pensar!
-Vai deixar sim, ainda estou chateada pelo fato de ter ido para a França e nunca ter levado sua titia querida e idolatrada.
Kátia não teve outra alternativa e aceitou a tia em sua casa.
Dias depois.
Kátia chamou a tia e disse:
-Titia, precisarei dar o golpe do baú em algum milionário!
-Claro filha, ótima ideia. Lembro-me do dia em que casei com um milionário, com a intenção de dar o golpe do baú. O chato foi ter sido flagrada na sauna com um garotão, e nos divorciamos.
-Herdou alguma coisa?
-Não. Ele jogou minhas fotos na internet, eu inteiramente nua, com o garoto de dezoito anos me beijando e pegando nas minhas nádegas. Acabei perdendo tudo.
Oliver chegou com uma novidade:
-Amores, arrumei um emprego no salão de beleza da esquina.
-Que ótimo, alguém aqui tem que trabalhar! – Disse Kátia.
-E você perua, não vai procurar emprego?
-Eu, procurar emprego? Jamais. Meu nome é Kátia Lamartine. Tenho uma imagem a zelar!
À noite, Carmem, levou para a mansão, um rapaz de vinte anos, loirinho, branquinho e alto. Escondidos, eles foram para o quarto. Kátia estava lendo um livro, quando ouviu barulhos no quarto da tia. Estranhou, mas nada fez e dormiu.
No dia seguinte, Kátia e Oliver ouviram um grito vindo do quarto de Carmem.
Ao adentrarem o quarto, Carmem estava desesperada:
-O que aconteceu tia? - Perguntou a ex-madame.
-Fui usada por um garoto e jogada fora feito um prato de papel.
- Que garoto? - Perguntou Oliver.
-Um garoto que eu trouxe aqui ontem. Ele era lindo, curtimos, bebemos. Hoje quando acordei, não encontrei minha carteira.
-Levou todo o seu dinheiro, acertei? - Perguntou Oliver.
-Sim, mas minha preocupação não é essa. É a identidade, o desgraçado vai ver a minha idade.
A campainha da mansão tocou. Oliver foi abrir:
-É aqui que mora a Kátia? – Perguntou uma moça magrinha e séria.
Oliver ficou desconfiado e perguntou:
-Quem gostaria?
-Meu nome é Samantha, sou prima dela.
Oliver deixou a moça na sala e foi chamar a ex-madame. Kátia foi ao encontro da moça e a reconheceu:
-Samantha, minha prima retirante.
-Kátia, deixe-me ficar aqui por um tempo, preciso de abrigo!
Kátia, oportunista, falou:
-Claro querida prima, fique conosco. Porém, terá uma condição: estamos sem empregados, e você terá que se tornar uma.
-Mas por que não contrata uma empregada?
-Porque estou falida, sem dinheiro, pobre.
-Mas você não era casada com um magnata?
-Exato, eu era casada. O desgraçado morreu e só deixou essa mansão. Dinheiro na conta que é bom, nada. E eu não posso perder minha imagem. Ela é meu passaporte para novos horizontes.
Carmem estava no quarto procurando um local ideal para pregar um quadro com sua foto, quando percebeu que um lado da parede era oca. Ela chamou todos para mostrar a parede:
-Estranho. Uma mansão bem estruturada como essa não deveria ter uma parede oca, e não é em toda a parede. Oliver, pegue uma foice! – Ordenou Kátia.
Quando o rapaz voltou, ele quebrou a parede e dentro, havia um baú. Kátia gritou de felicidade:
-Estou rica! Devem ser muitas joias e pedras preciosas.
Oliver quebrou o cadeado, e quando abriu o baú:
-Um mapa? Que droga. Cadê o dinheiro, os diamantes, as joias? Queimem essa porcaria!  - disse Kátia, frustrada.
-Não faça isso. Esse mapa deve mostrar onde fica o verdadeiro tesouro. – Disse Carmem.
O mapa explicava: “Deveriam andar três quarteirões. Na equina do terceiro quarteirão, virasse à direita. O tesouro estaria na terceira casa.”
O quarteto combinou que iria atrás da tal casa apenas à noite. Samantha foi à cozinha preparar algo para o almoço, mas se decepcionou ao abrir a geladeira:
-Isso aqui é um ar-condicionado, e não uma geladeira. – disse a moça.
Mas tarde, o almoço foi servido:
-O que significa isso Samantha? – perguntou Kátia.
-Significa que a pobreza chegou pra ficar. Tive que cozinhar pés de galinha, já que na cozinha não tem nem pão velho.
-E onde conseguiu isso?
-Com a vizinha. Falei que eu sou feiticeira e, se ela me desse quatro pés de galinha, eu traria o amor dela de volta em até 24 horas.
Mais tarde, Kátia tirou uma soneca. Carmem teclou com um rapaz pelo facebook. Oliver leu revistas de moda e Samantha resolveu ir atrás do tesouro sozinha. Ela pensou: “Vou pegar esse tesouro e ficar rica. Enquanto aos outros, que morram pobres.”
Andou três quarteirões, na esquina do terceiro quarteirão, virou à direita e viu a terceira casa. Era uma casa abandonada:
-Se o tesouro estiver aqui, vou encontrá-lo!
Ela então arrombou a porta. A casa era muito sombria e cheia de poeira e ratos. Samantha pisava forte, tentando sentir se alguma parte do chão era oca, e também bateu nas paredes. De repente a polícia chegou. Alguns policiais entraram na casa, até que encontraram a moça:
-O que faz aqui? – Perguntou um dos policiais.
-Eu moro aqui!
-Mora é? Acabamos de receber uma denúncia, de que havia uma traficante de drogas nesta casa.
Samantha ficou apavorada. Um dos policiais encontrou um baú, e quando quebraram o cadeado, encontraram uma grande quantidade de maconha:
-Isso não é meu, eu não uso drogas!
-Explique isso na delegacia.
Samantha então foi levada presa. À noite, Kátia procurou a prima e não a encontrou. Convidou Oliver e a tia para irem atrás do tesouro. Quando chegaram na casa, entraram, procuraram e nada encontraram:
-Aqui não tem nada, acho que estamos sendo idiotas aqui! – disse Carmem, segurando uma latinha de cerveja.
Quando iam saindo, Oliver encontrou um envelope na caixa de correio. No envelope havia outro mapa:
“Cinco quarteirões daquela casa há uma farmácia. No fundo da farmácia há um banheiro. No banheiro há um espelho, e atrás do espelho, um tesouro.”
O trio decidiu que iria na manhã do dia seguinte. Kátia estranhou o sumiço de Samantha, mas não se importou e foi dormir. No dia seguinte, Carmem foi a primeira a acordar. Vestiu sua minissaia, blusa bem decotada, salto, maquiou-se e foi à tal farmácia. O estabelecimento havia acabado de abrir. Um funcionário a atendeu:
-Bom dia, posso ajuda-la?
-Preciso de um pacote de camisinhas, um anticoncepcional, um lubrificante, uma seringa, um teste de gravidez e um pacote de fraldas descartáveis para adulto, tamanho GG!
O homem foi à procura do que foi lhe pedido. Carmem então perguntou:
-Posso usar seu banheiro? Estou com diarreia!
O homem deu permissão e ela foi. Quando entrou no banheiro, viu o espelho. O objeto estava pregado com parafusos, e com o auxílio de uma faca que ela levava em sua bolsa, ela tirou os parafusos e arrancou o espelho da parede. Viu fios elétricos de várias cores e atrás dos fios, um baú:
-Estou rica! O tesouro está atrás dos fios!
 Ela então colocou a mão entre os fios, mas o pior aconteceu: ela levou um grande choque e desmaiou.
O funcionário da farmácia ouviu o barulho e foi ver o que havia acontecido, então viu a mulher caída no chão. Chamou o pronto socorro e Carmem foi levada ao hospital.
Quando acordou, Kátia tomou banho, arrumou-se e foi tomar o café da manhã. Lembrou que não havia nada para comer e pensou: “Terei que vender um móvel da casa para comprar comida!”. Ela chamou Oliver, Procurou a tia e a prima, mas nenhuma das duas estavam em casa:
-Oliver, seremos apenas nós dois em busca do tesouro. Samantha deve ter voltado pro quinto dos infernos, de onde nunca deveria ter saído, e a titia certamente passou a noite com um jovem de dezoito anos. Velha tarada.
Os dois então foram à tal farmácia:
-Posso ajuda-los?
-Sim. Traga tudo o que tem nessa lista! - Oliver o entregou uma grande lista e ele leu:
- Ir em busca do tesouro; pegar o tesouro; passar a perna nos otários e fugir para Paris. É isso mesmo?
Kátia olhou para Oliver, e este puxou o papel das mãos do homem e lhe entregou outro:
-Agora sim, esse é o certo! – Disse o rapaz.
Quando o homem foi pegar as coisas, ela pediu:
-Posso usar seu banheiro? Preciso retocar a maquiagem.
-Ele está interditado. Uma senhora foi eletrocutada hoje mais cedo.
Kátia ficou espantada. Ela então viu um envelope no balcão. Curiosa, abriu e nele havia um mapa:
"Na mesma rua da farmácia há uma igreja. Na sacristia, há uma passagem secreta no chão, abaixo de uma mesa."
Os dois combinaram de ir à noite. Oliver comentou:
-Mademoiselle, onde estão Carmem e Samantha?
-Não faço ideia. A coruja velha deve estar entretida com algum rapazote. – Respondeu Kátia.
- E a salamandra magricela deve ter morrido de fome. – Disse Oliver.
À tardinha, Oliver foi à mercearia e comprou um refrigerante. Quando chegou à mansão, colocou em dois copos e no copo destinado à Katia, ele colocou uma pequena quantidade de sonífero. Ele a serviu e se serviu:
-Mademoiselle, tome um pouco de refrigerante antes de irmos à missa!
-Refrigerante? Que horror. Isso faz crescer a barriga, e eu não fiz quinze plásticas pra terminar pobre e feia!
Ela tomou e não demorou, adormeceu na mesa. Ele então pegou o mapa e seguiu até a igreja. Mesmo em reforma, quando ele entrou na igreja, haviam muitos fiéis e a missa já havia começado. De fininho, ele entrou na sacristia, procurou a mesa, a afastou e abriu a passagem secreta. Ele então entrou, e estava tudo escuro. Desceu a escada, de repente pisou num degrau quebrado e caiu dentro de um buraco. Quando acendeu a lanterna, viu que jamais conseguiria sair dali, pois o buraco era muito fundo:
-SOCORRO! – gritou ele.
Neste momento, alguém fechou a porta que dava acesso à passagem secreta.
Às onze horas da noite, Kátia acordou, e se deu conta de que a missa já havia terminado e que a igreja já estava fechada. Ela procurou a tia, a prima e Oliver, mas não os encontrou:
-Até aquela biba sumiu. E agora, o que farei?
Ela voltou a dormir. Pela manhã, Kátia foi à missa. Entrou na sacristia, procurou a passagem secreta, porém, ela estava cimentada. O sacerdote perguntou:
-Está querendo roubar algo?
-Não. Eu queria só me confessar! – Ela não tinha outra desculpa.
Eles então foram ao confessionário:
-Padre me arrependo de ter abandonado meus pais, esfaqueado minha prima, colocado uma bomba na minha sala de aula na época da faculdade, atropelado minha vizinha chata, chicoteado uma empregada...
-Minha filha, você deveria estar presa. Quanto pecado!
Quando terminou de se confessar, ia saindo da igreja, quando viu, embaixo da imagem de nossa senhora, um envelope:
“No final da cidade há uma escola. Na quadra esportiva da escola, debaixo da arquibancada, há o tesouro.”
Ela não perdeu tempo e foi até a tal escola. Ao chegar lá, procurou a quadra esportiva. Adentrou o local, procurou o tesouro e encontrou um envelope. Dentro do envelope, havia uma chave e um endereço escrito num papel.
Kátia então foi ao tal endereço que estava na carta e encontrou uma casa, bem simples e afastada de outras casas. A mulher abriu a porta, olhou todos os cômodos e viu uma única planta no quintal:
-Mas que pegadinha é essa?
Ela então viu que a planta era de plástico, e a arrancou do chão. Perto, tinha uma pá e ela cavou até que encontrou um baú. Quebrou o cadeado, e quando abriu, viu uma bomba relógio prestes a explodir em cinco segundos. A mulher correu, e quando pôs os pés fora da casa: “BUUMMM”. A bomba explodiu.
Seis meses depois.
Na cadeia, Samantha e mais quatro presidiárias combinaram de fugir. Machadão, a cabeça do grupo, disse:
-É o seguinte, o túnel está feito. Hoje à noite, a gente foge desse purgatório.
-Mas esse túnel nos levará pra onde? - perguntou Samantha.
-A gente vai cavando até encontrar uma saída.
À noite, Machadão, Canhão, Samantha e Tijolo entraram no túnel e cavaram durante um bom tempo, até que saíram por um bueiro. As mulheres se despediram e cada uma foi para o seu destino. Samantha foi para a mansão da prima, mas soube que ela não morava mais lá.
Oliver, alguns dias depois de ter caído no buraco, foi encontrado por um padre, e estava barbudo, sujo e fedorento. Ele então foi resgatado e acolhido pelo religioso e seus fiéis. Após se restabelecer, ele foi à mansão, à procura de Kátia, mas soube que ela não morava mais lá.
Carmem passou seis meses em coma, depois se recuperou e recebeu alta. Foram lhe doados vestidos de idosa, e ela disse à enfermeira:
-Tá me zuando, cara? Eu nunca usei essas roupas do século dezenove. Isso brocha qualquer garotão! 
-Mas a senhora é idosa!
-Senhora está no céu e idosa é a sua mãe.
Carmem saiu do hospital e se direcionou à mansão de Kátia, mas soube que a sobrinha não morava mais lá. 
Kátia ficou loira e usava roupas diferentes. Ao invés de vestidos, usava roupas formais e usava um nome falso. Ela estava no aeroporto de Buenos Aires, havia casado com um milionário, morava na Itália e estavam a passeio. Ele a chamou:
- Kyara, nosso voo já vai decolar!
A mulher sorriu e disse:
-Estou indo, meu amor!
(...)

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